segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sala de espera

Entrei na sala de espera e contei mentalmente quantas pessoas havia ali. Perdi a conta com o cheirinho de café fresco, mas calculei entre oito, talvez dez pessoas. Enquanto saboreava o cafezinho doce e quente, pensei como podia haver tanta gente ali se era apenas 8h23, quero dizer, se meu horário era às 8h30, imagino que devem ter outros médicos atendendo além do meu, ou quem sabe metade das pessoas esteja apenas de acompanhante ou então, concluí por fim, eu tomaria muitos cafezinhos durante aquela manhã.

Entrei na sala de espera e contei mentalmente quantas pessoas havia ali. Perdi a conta com o cheirinho de café fresco, mas calculei entre oito, talvez dez pessoas. Enquanto saboreava o cafezinho doce e quente, pensei como podia haver tanta gente ali se era apenas 8h23, quero dizer, se meu horário era às 8h30, imagino que devem ter outros médicos atendendo além do meu, ou quem sabe metade das pessoas esteja apenas de acompanhante ou então, concluí por fim, eu tomaria muitos cafezinhos durante aquela manhã.

Tentei sentar-me o mais próximo possível da única janela da sala; não me leve a mal, mas ninguém vai ao médico a passeio e pela breve análise clínica que fiz de meu colega de banco, ele deveria ir imediatamente para uma UTI e fazer um transplante de pulmão. Cumprimentei-o com um sorriso sem mostrar os dentes e me sentei confortavelmente na cadeira azul com almofadas brancas. Localizei do outro lado da sala as revistas em cima de uma mesinha, ao lado de uma senhora que roncava baixinho. Analisei cuidadosamente minhas opções de leitura a partir das manchetes das capas, tendo como critério também a quantidade de poeira incrustada nelas.

Dentre todas, peguei duas revistas, uma com entrevistas e matérias sobre política, economia e cultura e outra com os últimos casamentos dos famosos (na verdade, pela data da revista, os casamentos já devem ter virado divórcio), promessas infalíveis de perda de peso em duas semanas, dicas sensacionais para minha pele, sem contar a artista de 60 que promete revelar os segredos para manter aquele corpão de mocinha de 20 (além das plásticas, claro). Meus dedos coçam de curiosidade – e provavelmente por causa de ácaros também – para ler a revista de fofocas. Mas como toda jornalista que se preze é necessário pelo menos dar uma folheada na revista de conteúdo, afinal já desapontei bastante a secretária.

- Estado civil?
- Solteira.
- Profissão?
- Jornalista.
- Ah, jornalista? Que legal, você trabalha na TV?
- Não...
- Ah, em que jornal você trabalha então? Eu tenho uma prima que é repórter também.

Nessa hora você tenta explicar da melhor forma possível que você trabalha na área de comunicação organizacional. Elas sempre parecem meio tristes com isso, afinal é muito mais legal contar que conhece “a fulana, que trabalha na TV” do que “a fulana que faz o jornalzinho da empresa tal” (o diminutivo utilizado para falar dos jornais de empresas sempre me afetam, mas já levei isso para a terapia). O fato é que se ela visse “a jornalista” lendo uma revista sobre o casamento da Sandy em vez da revista sobre as eleições (eu sei, você não tem muitas novidades nas salas de espera), minha reputação estaria arruinada. A tática então era folhear com cara de interesse a entrevista com os candidatos a presidência e quando ela se distraísse com as palavras cruzadas, zaz, eu mando ver na matéria sobre perda de peso.

Mas sabe, eu sou mesmo muito iniciante nessa coisa de salas de espera. Se eu tivesse descoberto que ali é um lugar quase mágico, um mundo paralelo, eu não teria me dado tanto trabalho.

As salas de espera são lugares onde se pode ser quem quiser, pelo simples fato de que ninguém está se importando com nada, além da “porta mágica”. Não sei se você já reparou, mas a sala de espera é um lugar reservado para você ficar ali fazendo absolutamente nada. Nada, além de, é claro, esperar. E você espera, espera e espera, quase como um zumbi, pela pessoa de branco que virá pela porta mágica e chamará seu nome, te tirando daquele pseudo purgatório. Lá, a contagem do tempo não é a mesma do mundo aqui de fora. Quinze minutos podem demorar dois dias, por exemplo. O mundo se movimenta lá fora, o sol abre, as nuvens o cobrem, chove, abre o sol novamente, o telefone da secretária toca 16 vezes, ela atende com a mesma entonação e sotaque carregado de sempre: “Consultório médico, boa tarde”.

Tudo é tão surreal que ler sobre o casamento da Sandy me parece fantástico e você começa a pegar gosto pela coisa. Começa até a torcer para demorar só mais um pouquinho para você terminar de ler o resumo da novela que, aliás, terminou ano passado. E quando você já está adaptada, dividindo o mesmo copo com o paciente tuberculoso do lado e o ronco da senhora-zumbi do outro lado já soa como sinfonia, eis que surge o homem de branco na porta mágica, com ar tranquilo, saindo do mundo real e chamando seu nome no meio da reportagem “Como emagrecer 5kg em uma semana comendo de tudo”. Será que ele não podia ter esperado mais uns 10 minutinhos? Agora eu não tenho outra escolha: vou ter de pegar uma gripe e voltar aqui semana que vem. Mas acho que vou falar que sou publicitária da próxima vez.

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domingo, 24 de outubro de 2010

O Corpo

Ontem, vi um corpo. Ele estava na rua, braço jogado para o lado, como nesses filmes policiais que a gente vê. Mas esse era de verdade, não era ator, nem sangue de mentira. Um lençol, já ensanguentado, cobria seu rosto e parte do que dava. Luzes vermelhas iluminavam os rostos curiosos que se aglomeravam para ver o acidente. Vi as sirenes ao longe e, imaginando ser uma blitz, me assegurei que todos estivessem de cinto. Mas ao chegar perto, percebi que havia algo errado, não era simplesmente uma blitz. Olhei não mais que cinco segundos e lá estava o corpo estirado no chão. Aquilo me invadiu por dentro.

Não pude pensar em mais nada durante o resto do caminho para a casa. Martelava em minha mente a efemeridade da vida e como em um segundo aquele rapaz podia ter deixado de ser filho, pai, namorado, marido, empregado ou patrão para se tornar simplesmente um corpo sem vida. Aquilo era extremamente perturbador.

Antes de dormir, enquanto fazia minha leitura da Bíblia, saltou-me os olhos coincidentemente (para quem acredita em coincidências): “Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tg 4:14). Aquilo foi tão forte, que era impossível ignorar. Afinal, não é isso mesmo? Buscamos com tanta intensidade conquistas terrenas, queremos sempre mais dinheiro, status, um corpo invejável, o melhor currículo e deixamos de lado o que realmente importa, o que é eterno. A vida espiritual, uma relação sincera (e não obrigatória-dominical) com Deus tem de ser prioridade. Estamos cuidando tanto do corpo e da mente, e deixando a saúde de nossa alma de lado. Apesar de polêmico, esse é um assunto que merece reflexão. Não podemos simplesmente ignorá-lo, da mesma forma que não é possível ignorar um corpo, sem vida, estirado no chão.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O solitário da noite

Ele se sente um boêmio nato. Aproveita qualquer brecha e sai pela madrugada a vagabundiar pelas ruas escuras da cidade. Mexe com as fêmeas distraídas e faz tentativas frustradas de uma noite de amor. Elas o desprezam. Seus olhos cor de mel, com certo ar carente, não comovem mais as garotas como antes. Para essa nova geração, amor é uma questão de cheiro e ele, de longe, aponta para um aroma indescritível: o de um perdedor.

Ele não tem nada a oferecer. Nem virilidade, nem bens materiais, nem compromisso. Ele é um solitário da noite, sem amigos, sem destino. Nunca se sabe para onde vai, ele simplesmente some na neblina da noite em busca de liberdade. A noite é seu momento de fuga. Na rua comprida e completamente vazia não há portões, não há o chamado de ninguém, é onde reina. Sente-se tão poderoso e imponente quanto um lobo uivando para sua lua cheia.

Ele vaga pelas sombras sem incomodar ninguém, anda por horas e quando se cansa, volta. Ele entra então em casa, pé ante pé, e vai atrás de sua cama quente e da comida no prato. Dorme até tarde, busca chamego, e à noite Tobi vira Rex e encara o personagem “vira-latas mau caráter” e segue rumo a sua vida de boêmio da noite.

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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Estrela Cadente *

Era como um vício. As estrelas o atraiam, a lua cheia o prendia em um inebriante sorriso que, embora não fosse muitas vezes visto externamente, estava ali representado no brilho dos olhos negros. As lentes de vidro refletiam as luzes da cidade. Apartamentos acesos indicavam que Maringá continuava acordada, mesmo no pico da madrugada. Ele, assim como um bocado de gente, buscava uma forma de fugir da insônia. Algumas janelas piscavam luzes azuis, indicando que a televisão era a melhor companhia na noite que não queria amanhecer. Mas o refúgio dele estava na rua, sentia-se bem naquele ambiente urbano, emparedado por prédios na larga avenida iluminada. A brisa noturna que lhe bagunçava os cabelos fazia-lhe sentir livre. No entanto, alguma coisa o incomodava.

Dirigiu até seu lugar favorito que dava uma visão privilegiada da cidade. Lá, totalmente sozinho, se perguntava o porquê daquele aperto no peito. Já fazia pelo menos três dias que não dormia uma noite inteira, só pensando, pensando e pensando. Sua cabeça parecia uma máquina que não parava de rodar um minuto só. Por isso gostava tanto de olhar para o céu, era como se conseguisse esvaziar sua mente na imensidão negra da noite.

Às vezes se desligava do mundo terrestre por longos minutos, só formulando teorias sobre os astros do céu. Desde criança, sempre foi assim. Durante os eclipses, imaginava o sol e a lua em um beijo apaixonado, gostava de inventar nome para as estrelas e sempre sonhou ver uma estrela cadente, só para fazer um pedido. Mas quando pensava no que poderia pedir para a tal estrela apressada sentia tanta ansiedade, mas tanta ansiedade que nunca chegou a uma conclusão (e sempre acreditou intimamente que fosse por isso que nunca chegou a ver uma estrela cadente assim de pertinho).

Então, no meio daquela insônia toda, pensou como seria uma noite perfeita. Fechou os olhos. A primeira certeza que teve é de que a lua estaria presente. Haveria uma garota também. Não qualquer garota, que fique bem claro, mas aquela que despertasse dele os sorrisos mais sinceros, que pudesse também fazê-lo chorar, uma garota que penetrasse a muralha de proteção que ele criou para si e o impulsionasse a fazer algo louco.

Ela, juntamente com a lua, seria o pretexto perfeito para ele fugir. Sim, era isso que ele queria: queria fugir da rotina do presente e do medo do que ainda está por vir; queria deixar para trás sua vida e começar uma nova, queria mais, sentia que tudo o que tinha vivido até então era muito pouco e que ainda havia muito para ser vivido. Queria viajar sem rumo, conhecer estranhos e até passar por apuros (por que não?), só para sentir-se vivo. Sim, era isso que ele mais queria. Neste momento, ele abriu os olhos e sorriu. Então, pela primeira vez, ele viu cruzar no céu uma estrela cadente.


*Conto publicado no e-book Contos Maringaenses, que pode ser baixado gratuitamente
aqui

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domingo, 26 de setembro de 2010

Quando eu crescer

Quando eu crescer, quero ter um jardim desses, florido, com um banquinho em baixo de uma árvore para ler meus contos preferidos, sozinho, em paz.

Quando eu crescer, não quero saber da guerra pela TV e ignorar as mortes diárias dos inocentes nas favelas do meu País.

Não quero deixar para fora da janela um dia de sol como o de hoje. Olha, olha ali como a água brilha com o reflexo do sol. Quando eu crescer, quero ser marinheiro, só para poder sentir o sol, o vento, a chuva, enfrentar as tempestades, sentir a vida que hoje eu vejo por uma parede de vidro.

Quando eu crescer, vou amar alguém. Ela será minha princesa e eu a protegerei de todo o mal. Lhe trarei flores do jardim todos os dias, recitarei um verso dos meus poemas favoritos e afagarei seus cabelos até dormir.

Ah um dia, quando eu crescer...

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O desempregado e o trote que saiu pela culatra

Já fazia duas semanas que ele folheava os classificados do jornal. Às vezes circulava algum anúncio, mas nunca conseguia nada na área de comunicação em que era formado.


Desesperançoso, estava quase jogando fora o jornal quando a foto grande e a manchete chamativa fizeram ele voltar a ler a reportagem que falava sobre a onda de falsos sequestros. Depois que terminou de ler, uma ideia de súbito surgiu-lhe à mente. Era algo aparentemente simples, afinal a própria reportagem trazia passo a passo (quase como um guia) o que os bandidos faziam. Era só imitar, não tinha muito segredo. Como estava sem internet para fazer uma pesquisa “mais aprimorada” da primeira vítima, pegou a lista telefônica mesmo, colocou o celular em “modo confidencial” e ligou a cobrar para o número em que o dedo apontou. No nervosismo, nem prestou atenção no nome da pessoa, foi logo ligando. Depois da musiquinha conhecida, a voz irritante de uma adolescente atendeu:

- Quem?

Nesse momento ele estremeceu, não sabia o que dizer. Correu os olhos para a lista telefônica e tomou um susto, nunca tinha visto um nome tão estranho como aquele (Härmmstern Thyrrsten), então pronunciou do jeito que entendeu e foi direto ao assunto.

- É o seguinte, eu tô com o Rãmester. Ele tá bem, mas...
A menina do outro lado da linha nem esperou ele acabar de falar e já foi gritando:
- Manhê! Manhê! O moço achou o ramster!
- Sério filha? Nossa, mas como?
- Viu, e você ainda não queria colocar o anúncio no jornal!
- Claro filha, como é que eu ia adivinhar que....
Impaciente com a conversa, ele interrompeu:
- É o seguinte, eu quero que você deposite R$ 500 na minha conta, senão...
- Não moço, mas no anúncio não falava nada de recompensa, não!
A mãe foi logo se intrometendo e falando ao fundo
- O quê? Ele tá querendo recompensa, é?
- É mãe, ele quer que a gente deposite R$ 500 na conta dele.
- Senão eu mato ele – gritou confiante o sequestrador.
- Senão o moço mata ele, manhêê!!
- Ahahahahaha, esse cara tá maluco? Olha, minha filha, o ramster já tinha vivido até demais, né? Se não morrer agora, ele vai morrer em menos de dois anos mesmo...
A menina começou a chorar desesperadamente e o “aspirante a sequestrador” não sabia o que fazer, ficou mudo, não estava entendendo nada. Perguntava-se como aquela mulher poderia ser tão fria, nem ligando para a vida do velho homem.
- Não, mãããeeee... eu quero o ramster, ele é velhinho mas eu amo ele, ele é tudo pra mim!!! O que eu vou fazer da minha vida sem ele?
- Filha, R$ 500 é muito dinheiro. Ele não vale tudo isso.
A filha, desesperada, largou o telefone e saiu esgoelando pela casa:
- Eu te odeiooo!!
A mãe, calmamente, pegou o telefone:
- Oi, meu senhor, olha, muito obrigada pela boa vontade, viu? Mas pode ficar com ele para você, não tem problema não, tá? Tenha um bom dia.
Tu, tu, tu, tu.
Ele estava boquiaberto. Não conseguia entender toda aquela confusão, mas, persistente, resolveu tentar de novo e dessa vez se preocupando com o nome da próxima vítima. O telefone chamou por três vezes até que a voz chorosa de uma idosa atendeu.
- Pronto.
A musiquinha não tinha tocado. No choque da ligação anterior ele esqueceu de ligar a cobrar, mas pensou: “ah, essa véia eu enrolo fácil”. Foi logo forçando a voz e puxando o erre para parecer que era da região litorânea do Sudeste.
- Excuta aqui coroa, tô com o Aderrrbal aqui na minha frente e se tu não depositar em uma hora o dinheiro na minha conta, a coisa vai ficarrr feia pro lado dele.
- Nossa, que rápido! Como é o nome do senhor mesmo?
- Num interessa meu nome não, vai logo depositando a grana.
- Ah, entendo, privacidade profissional, né? Mas eu preciso de uma garantia de que ele tá aí, pede pra ele me mandar um recado. Pergunta se ele tá na luz.
- Não minha senhora, ele tá aqui na minha frente, já disse! Ele falou que é pra tu depositar o dinheiro, senão ele vai pra um lugarrrr muito excuro, bem abaixo dos nossos péxxx.
- Cruzes! E eu que achava que o dinheiro só valia nessa dimensão! Pergunta se ele encontrou o tio Toninho lá, pergunta!
- Não vou perrrguntar nada não, vai depositá o dinheiro ou eu vou terrr que dar um fim nas coisax do meu jeito?
- Calma, eu vou pegar uma caneta pra anotar. Não termina com a sessão ainda não...
Enquanto esperava na linha, tocou um celular e ele ficou ouvindo a velha falar:
- Pronto. Como? Não, isso é impossível. Como assim ele não morreu? Confundiram os nomes no laudo médico? Mas eu tô falando com aquele pai de santo que a Dorinha me indicou. É...aquele lá da capital que fala com os mortos. Nossa, por isso que ele disse que não viu luz nenhuma, ele não tinha chegado lá, né? Só tava na metade do caminho. Gente do céu... peraí que o pai de santo tá na linha, depois te ligo!
Pai de santo?? Ele não podia acreditar! Era muito azar para um dia só. Resolveu desligar o telefone antes que a velha voltasse e achou melhor ela pensar que era mesmo um pai de santo e que o tal defunto tivesse voltado à vida. Já sem esperanças, jogou o celular na cama com raiva. Depois de alguns minutos pegou os classificados do jornal de novo. Analisou, analisou e circulou a única oferta de emprego que dava para ele atuar. Marcou entrevista e uma semana depois estava contratado. Sem muitas oportunidades, e com um rombo na conta do celular, ele trabalha agora num ramo parecido com o que ele tentou antes. Só que desta vez, em vez dele ligar para as pessoas para tentar ganhar dinheiro, ele ganha dinheiro para ligar para as pessoas:
- Boa tarde. Eu poderia estar falando com o responsável pela linha telefônica?

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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Relacionamentos modernos

Hoje a frase de uma amiga me fez pensar na superficialidade das coisas. Houve um tempo que as relações eram mais verdadeiras, mais profundas. A gente gastava mais tempo com as pessoas, cultivando amizades, sim, porque se dedicar a alguém exige tempo e dá trabalho, muito trabalho. Tanto, que normalmente a gente resolve deixar pra depois. Primeiro, estuda, passa no vestibular, se forma, tem uma profissão, trabalha muito, bajula o chefe para ser promovido, daí casa para não ficar sozinho e de repente nascem os filhos, os netos. A gente se aposenta. Então essa é a melhor idade, hora de viajar, aproveitar e curtir a vida. E assim vai... e assim vamos empurrando com a barriga semi-relações.

Lembro, por exemplo, que os almoços em família na mesa da cozinha, eram mais frequentes. Além disso, havia o sagrado café das seis, acompanhado do pão francês com manteiga e café preto. Hoje, as refeições são mais solitárias, mas estranhamente mais barulhentas. Rádio, televisão, telefone, cachorros. Tudo parece “barulhar” ao mesmo tempo. Conversar é difícil. Palavras soltas compõem os espaços curtos de silêncio entre um eletrodoméstico e outro, mas parece que ninguém se ouve. As pessoas só querem falar e serem ouvidas, mas ninguém ouve.

- Quinta que vem eu tenho um dia de folga. To pensando em fazer uma viagem curta, o que você acha?
- Ah, legal. Então, sabe aquela bota marrom que eu vi no shoopping, ta na promoção. A gente podia ir lá no final de semana, né?
- É, pode ser. Mas então... acho que vou visitar a Mariana, faz tempo que não vejo ela.
- Posso agendar sábado às 14h então para a gente ir no shopping?
- Ah, legal, vamos no shopping sim que eu aproveito e levo uma lembrancinha pra mãe da Mariana.
- Quem é Mariana?
E de repente, você se dá conta que a conversa-monólogo não vai a lugar nenhum. E assim é também nas demais relações. Percebo que a cada aniversário o telefone fica mais quieto. Telefonemas foram substituídos por scraps, twitts, SMS, e mais um bocado de siglas e nomes estrangeiros que devem existir e eu já nem sei. Mas nada substitui o antigo “cara a cara” (lembra dele, quando você ia até a casa do seu amigo, mesmo quando não tinha festa, só para lhe dar parabéns?) ou pelo menos o telefone, em que dá para saber, só de ouvir a voz da outra pessoa, se ela está bem, feliz, gripada ou se acabou de acordar.
Mas não pensem que sou um exemplo de pessoa, uma amiga exemplar. Também me entreguei às moderno-facilidades e ando mandando muitos caracteres de felicitações por aí. Minha voz mesmo, meus amigos (ou colegas?) acho que só devem conhecer se tiverem microfone no MSN e me chamarem para um bate-papo virtual.

Isso tudo me incomoda muito. Como é que a gente se acomoda tanto, como é que o pra sempre se transforma em nunca mais, o especial em normal e os amigos em conhecidos?

Será que a gente tinha mais tempo para tudo isso? Essa seria uma boa desculpa e eu poderia terminar meu texto por aqui, seria algo confortável de dizer. Mas a gente sabe, bem lá no fundo, que não é isso, tempo a gente sempre arruma quando quer. Por mais lotado que esteja o dia, quando a pessoa é realmente importante, quando a gente realmente quer, a gente dá um jeito. A verdade é que, na maioria das vezes, deixamos de fazer as coisas por puro esquecimento, por frieza, ou por não nos importarmos. Estamos presos naquele diálogo na mesa da cozinha, onde todo mundo quer ser ouvido, todo mundo quer falar. Mas quem quer ouvir? A modernidade criou ferramentas para facilitar a comunicação, e o que nós mais desaprendemos nos últimos tempos foi justamente nos comunicar.
E sabe, se alguém aí quiser bater um papo desses gostosos, sem hora para acabar, me liga, a gente combina, porque depois de tudo isso, tudo que eu quero é me re-relacionar.

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