quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O desempregado e o trote que saiu pela culatra

Já fazia duas semanas que ele folheava os classificados do jornal. Às vezes circulava algum anúncio, mas nunca conseguia nada na área de comunicação em que era formado.


Desesperançoso, estava quase jogando fora o jornal quando a foto grande e a manchete chamativa fizeram ele voltar a ler a reportagem que falava sobre a onda de falsos sequestros. Depois que terminou de ler, uma ideia de súbito surgiu-lhe à mente. Era algo aparentemente simples, afinal a própria reportagem trazia passo a passo (quase como um guia) o que os bandidos faziam. Era só imitar, não tinha muito segredo. Como estava sem internet para fazer uma pesquisa “mais aprimorada” da primeira vítima, pegou a lista telefônica mesmo, colocou o celular em “modo confidencial” e ligou a cobrar para o número em que o dedo apontou. No nervosismo, nem prestou atenção no nome da pessoa, foi logo ligando. Depois da musiquinha conhecida, a voz irritante de uma adolescente atendeu:

- Quem?

Nesse momento ele estremeceu, não sabia o que dizer. Correu os olhos para a lista telefônica e tomou um susto, nunca tinha visto um nome tão estranho como aquele (Härmmstern Thyrrsten), então pronunciou do jeito que entendeu e foi direto ao assunto.

- É o seguinte, eu tô com o Rãmester. Ele tá bem, mas...
A menina do outro lado da linha nem esperou ele acabar de falar e já foi gritando:
- Manhê! Manhê! O moço achou o ramster!
- Sério filha? Nossa, mas como?
- Viu, e você ainda não queria colocar o anúncio no jornal!
- Claro filha, como é que eu ia adivinhar que....
Impaciente com a conversa, ele interrompeu:
- É o seguinte, eu quero que você deposite R$ 500 na minha conta, senão...
- Não moço, mas no anúncio não falava nada de recompensa, não!
A mãe foi logo se intrometendo e falando ao fundo
- O quê? Ele tá querendo recompensa, é?
- É mãe, ele quer que a gente deposite R$ 500 na conta dele.
- Senão eu mato ele – gritou confiante o sequestrador.
- Senão o moço mata ele, manhêê!!
- Ahahahahaha, esse cara tá maluco? Olha, minha filha, o ramster já tinha vivido até demais, né? Se não morrer agora, ele vai morrer em menos de dois anos mesmo...
A menina começou a chorar desesperadamente e o “aspirante a sequestrador” não sabia o que fazer, ficou mudo, não estava entendendo nada. Perguntava-se como aquela mulher poderia ser tão fria, nem ligando para a vida do velho homem.
- Não, mãããeeee... eu quero o ramster, ele é velhinho mas eu amo ele, ele é tudo pra mim!!! O que eu vou fazer da minha vida sem ele?
- Filha, R$ 500 é muito dinheiro. Ele não vale tudo isso.
A filha, desesperada, largou o telefone e saiu esgoelando pela casa:
- Eu te odeiooo!!
A mãe, calmamente, pegou o telefone:
- Oi, meu senhor, olha, muito obrigada pela boa vontade, viu? Mas pode ficar com ele para você, não tem problema não, tá? Tenha um bom dia.
Tu, tu, tu, tu.
Ele estava boquiaberto. Não conseguia entender toda aquela confusão, mas, persistente, resolveu tentar de novo e dessa vez se preocupando com o nome da próxima vítima. O telefone chamou por três vezes até que a voz chorosa de uma idosa atendeu.
- Pronto.
A musiquinha não tinha tocado. No choque da ligação anterior ele esqueceu de ligar a cobrar, mas pensou: “ah, essa véia eu enrolo fácil”. Foi logo forçando a voz e puxando o erre para parecer que era da região litorânea do Sudeste.
- Excuta aqui coroa, tô com o Aderrrbal aqui na minha frente e se tu não depositar em uma hora o dinheiro na minha conta, a coisa vai ficarrr feia pro lado dele.
- Nossa, que rápido! Como é o nome do senhor mesmo?
- Num interessa meu nome não, vai logo depositando a grana.
- Ah, entendo, privacidade profissional, né? Mas eu preciso de uma garantia de que ele tá aí, pede pra ele me mandar um recado. Pergunta se ele tá na luz.
- Não minha senhora, ele tá aqui na minha frente, já disse! Ele falou que é pra tu depositar o dinheiro, senão ele vai pra um lugarrrr muito excuro, bem abaixo dos nossos péxxx.
- Cruzes! E eu que achava que o dinheiro só valia nessa dimensão! Pergunta se ele encontrou o tio Toninho lá, pergunta!
- Não vou perrrguntar nada não, vai depositá o dinheiro ou eu vou terrr que dar um fim nas coisax do meu jeito?
- Calma, eu vou pegar uma caneta pra anotar. Não termina com a sessão ainda não...
Enquanto esperava na linha, tocou um celular e ele ficou ouvindo a velha falar:
- Pronto. Como? Não, isso é impossível. Como assim ele não morreu? Confundiram os nomes no laudo médico? Mas eu tô falando com aquele pai de santo que a Dorinha me indicou. É...aquele lá da capital que fala com os mortos. Nossa, por isso que ele disse que não viu luz nenhuma, ele não tinha chegado lá, né? Só tava na metade do caminho. Gente do céu... peraí que o pai de santo tá na linha, depois te ligo!
Pai de santo?? Ele não podia acreditar! Era muito azar para um dia só. Resolveu desligar o telefone antes que a velha voltasse e achou melhor ela pensar que era mesmo um pai de santo e que o tal defunto tivesse voltado à vida. Já sem esperanças, jogou o celular na cama com raiva. Depois de alguns minutos pegou os classificados do jornal de novo. Analisou, analisou e circulou a única oferta de emprego que dava para ele atuar. Marcou entrevista e uma semana depois estava contratado. Sem muitas oportunidades, e com um rombo na conta do celular, ele trabalha agora num ramo parecido com o que ele tentou antes. Só que desta vez, em vez dele ligar para as pessoas para tentar ganhar dinheiro, ele ganha dinheiro para ligar para as pessoas:
- Boa tarde. Eu poderia estar falando com o responsável pela linha telefônica?

3 comentários:

  1. Oi =)
    Eu estaria gostando de ler seus contos!
    Hheheh

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  2. Nem sei o que dizer.. Show, muito bom. Espero que você tenha inspiração quando estiver aqui em MG.

    Ass:PP

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