quarta-feira, 28 de julho de 2010

A busca

Parou, olhou para o semáforo vermelho e foi em um momento de fuga, em que se ignora desde o carro barulhento ao lado, até o malabarista desajeitado em busca de uns trocados, que Inácio pensou: “O que é que eu estou fazendo aqui?”. Não era um lapso de memória, nem a percepção de estar perdido espacialmente naquela avenida larga de Campo Grande. Era, na verdade, um momento de lucidez. Uma certeza de estar completamente perdido entre as contradições de si mesmo.

A buzina do homem gordo e apressado do carro de trás o despertou do sonho de olhos abertos. Engatou a primeira marcha e seguiu em frente, já não tão preocupado com o caminho, nem com a chuva que começava a cair. A pergunta martelava em sua cabeça. Ainda faltava uma considerável quantidade de quilômetros até seu destino e algo lhe dizia que seria uma viagem mais longa do que o previsto. Os borrões verdes das árvores que passavam pela janela fizeram Inácio mergulhar fundo em seus pensamentos. Lembrou-se de sua mulher, na verdade agora ex, que ele preferia, para evitar constrangimentos, apenas chamar de Sofia.

Inácio e Sofia eram um daqueles casais que qualquer um podia perceber como se amavam loucamente. Bastava uma troca de olhar entre eles e pronto, estava denunciado ali uma declaração silenciosa, mas totalmente nítida de que foram feitos um para o outro. Eles se completavam, faziam planos para o resto da vida. Casaram-se e foram muito felizes como era de se prever. Mas então por que acabou, o que deu errado? Seria traição? Não. Não houve nenhum episódio específico, nenhum fato que tenha marcado o dia em que Sofia olhou para Inácio e ambos não sorriram por dentro. O que acontece, e que a novela e as revistas não mostram, é que a grande vilã dos casais não é a secretária mais nova ou o personal trainner malhado, mas a rotina.

Depois de alguns anos, já não sentiam prazer no ritual programado do café da manhã de torradas, café preto, beijo molhado, mas sem paixão, na hora da saída. Mesmo assim, seguiam o mesmo procedimento dia a dia. O tempo em casa foi diminuindo e no trabalho, aumentando. Foi quando apareceu a oportunidade na vida de Inácio: uma promoção no trabalho, mas para morar em Mato Grosso do Sul, a mais de 1.000 Km de sua casa. Claro que Sofia entenderia a mudança, afinal com o novo salário ela nem precisaria trabalhar e Sofia, de fato entendeu. Entendeu, mas não concordou. Entre discussões, choros e novas discussões, ele teve de optar entre alguém que não lhe “compreendia” e a oportunidade de uma carreira brilhante.

Mas agora, passados 20 anos, sem a euforia de querer ganhar o mundo e sem ninguém para lhe esquentar os pés nos raros, porém incômodos, dias de frio, perguntava-se, pela primeira vez, se havia feito a coisa certa. Passava um filme em sua mente de como teria sido se tivesse ficado, será que teria filhos? Será que ainda estaria com Sofia? E como ela estará hoje, será que sente sua falta, será que tem outro alguém? Com todas essas dúvidas, a lágrima foi inevitável. Escorria junto com a chuva que embaçada o vidro (ou seriam seus olhos?). Então, de súbito, tomou uma decisão. A mais importante da sua vida. Ia atrás de sua eterna mulher, ia correr atrás da sua felicidade. Ensaiou por 20 Km o que diria a ela e como poderia convencê-la de que ele ainda a amava. Se ela não acreditasse, planejava até um rapto, igual a esses que se vê em filme de época. E assim, foi durante toda a viagem e prometeu que assim que terminasse o trabalho em Brasília, viajaria mais 2.000 km só para vê-la. Largaria o emprego e seria feliz.

Mas quando Inácio chegou a Brasília e atendeu seus clientes, sentiu-se completamente realizado. Obviamente, não fez nada do que havia planejado em relação à Sofia. Voltou para casa, cantarolando, enquanto planejava as ações de marketing que apresentaria a seu chefe. Ele estava feliz. Percebeu que não precisava ir atrás de seu amor, ele já o havia encontrado há 20 anos.

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terça-feira, 27 de julho de 2010

Eu@mo.você

Quando ela disse que o amava, os olhos dele não piscaram por longos segundos. Ele ficou imóvel, sem dizer uma palavra, sem entender o porquê ela dissera aquilo daquela forma tão abrupta e tão... tão despreparada, pelo menos para ele. Era como se ele dissesse com os olhos que declarar-se para alguém exige pré-requisitos, como um tempo, um local e uma forma específica, uma norma da Abnt do amor.

Ele estava muito acostumado a lidar com números, computadores e todo e qualquer tipo de equipamento eletrônico que surgisse com a proposta de facilitar seu trabalho, evitando o contato humano. Expressar sentimentos, no entanto, nunca foi seu forte, receber expressões de amor também não era lá algo muito comum em sua vida.
Ao longo de seus 32 anos, apenas algumas namoradas, todas tão caladas e frias quanto ele. O último relacionamento, por exemplo, durou quase dois anos e começou e terminou via mensagens instantâneas, mesmo os dois estando separados por apenas três quarteirões.

Agora com ela era diferente, pra falar a verdade, ele nem sabe dizer ao certo como começou a se relacionar com uma pessoa tão diferente e que, de certa forma, o fazia diferente também. Mas apesar de todas as loucuras propostas por ela ao longo desses sete meses, como tomar sorvete sob um frio de 8°C e sair sem rumo pela estrada em uma sexta-feira, só para ter o prazer de chegar sábado em um lugar qualquer, dizer que o amava parecia a aventura mais perigosa que ela propora até então. Até porque, as outras exigiam que ele apenas se entregasse às sandices temporárias dela, mas logo estava ele de volta ao seu solitário e silencioso mundo no apartamento 1203, na rua João Beltrão. No entanto, aquela afirmação precipitada e louca exigia alguma postura dele, era necessário dizer alguma coisa. Ficar imóvel não resolveria seu problema.

Mas o que ele diria? Afinal assumir que também a amava implicava em uma série de obrigações que ele não sabia ao certo se estava disposto ao assumir. Por outro lado, se ele não a ama, o que sente então? E durante aqueles oito segundos depois da afirmação dela, tudo isso se passou pela cabeça dele. Ele passou a mão no cavanhaque por fazer e desceu até o pescoço, ficou vermelho e olhava ininterruptamente para o computador.

Então, ela o chamou pelo nome, ele olhou e finalmente enxergou. Sim, porque há uma grande diferença entre ver e enxergar, nós vemos muitas coisas todos os dias, mas só enxergamos as coisas que nos permitimos enxergar. E naquele momento, ao ouvi-la chamar seu nome, sem explicação alguma, ele enxergou sua vida bem ali à sua frente, de vestido branco e olhos atentos, de quem vive observando com curiosidade tudo a sua volta, de quem se entrega sem pedir nada em troca, de quem ama porque ama e só, sem pretensões, sem cobranças. Então ele percebeu que passou tanto tempo olhando só para si e para o mundinho em que estava inserido que não pode ver o que estava bem ali ao seu lado. E sentiu neste momento uma felicidade enorme que tomou conta dele de tal forma que beijá-la foi inevitável. Ele também a amava, do jeito dele, mas amava. E não foi preciso uma palavra para ela saber disso.

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