segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Relacionamentos modernos

Hoje a frase de uma amiga me fez pensar na superficialidade das coisas. Houve um tempo que as relações eram mais verdadeiras, mais profundas. A gente gastava mais tempo com as pessoas, cultivando amizades, sim, porque se dedicar a alguém exige tempo e dá trabalho, muito trabalho. Tanto, que normalmente a gente resolve deixar pra depois. Primeiro, estuda, passa no vestibular, se forma, tem uma profissão, trabalha muito, bajula o chefe para ser promovido, daí casa para não ficar sozinho e de repente nascem os filhos, os netos. A gente se aposenta. Então essa é a melhor idade, hora de viajar, aproveitar e curtir a vida. E assim vai... e assim vamos empurrando com a barriga semi-relações.

Lembro, por exemplo, que os almoços em família na mesa da cozinha, eram mais frequentes. Além disso, havia o sagrado café das seis, acompanhado do pão francês com manteiga e café preto. Hoje, as refeições são mais solitárias, mas estranhamente mais barulhentas. Rádio, televisão, telefone, cachorros. Tudo parece “barulhar” ao mesmo tempo. Conversar é difícil. Palavras soltas compõem os espaços curtos de silêncio entre um eletrodoméstico e outro, mas parece que ninguém se ouve. As pessoas só querem falar e serem ouvidas, mas ninguém ouve.

- Quinta que vem eu tenho um dia de folga. To pensando em fazer uma viagem curta, o que você acha?
- Ah, legal. Então, sabe aquela bota marrom que eu vi no shoopping, ta na promoção. A gente podia ir lá no final de semana, né?
- É, pode ser. Mas então... acho que vou visitar a Mariana, faz tempo que não vejo ela.
- Posso agendar sábado às 14h então para a gente ir no shopping?
- Ah, legal, vamos no shopping sim que eu aproveito e levo uma lembrancinha pra mãe da Mariana.
- Quem é Mariana?
E de repente, você se dá conta que a conversa-monólogo não vai a lugar nenhum. E assim é também nas demais relações. Percebo que a cada aniversário o telefone fica mais quieto. Telefonemas foram substituídos por scraps, twitts, SMS, e mais um bocado de siglas e nomes estrangeiros que devem existir e eu já nem sei. Mas nada substitui o antigo “cara a cara” (lembra dele, quando você ia até a casa do seu amigo, mesmo quando não tinha festa, só para lhe dar parabéns?) ou pelo menos o telefone, em que dá para saber, só de ouvir a voz da outra pessoa, se ela está bem, feliz, gripada ou se acabou de acordar.
Mas não pensem que sou um exemplo de pessoa, uma amiga exemplar. Também me entreguei às moderno-facilidades e ando mandando muitos caracteres de felicitações por aí. Minha voz mesmo, meus amigos (ou colegas?) acho que só devem conhecer se tiverem microfone no MSN e me chamarem para um bate-papo virtual.

Isso tudo me incomoda muito. Como é que a gente se acomoda tanto, como é que o pra sempre se transforma em nunca mais, o especial em normal e os amigos em conhecidos?

Será que a gente tinha mais tempo para tudo isso? Essa seria uma boa desculpa e eu poderia terminar meu texto por aqui, seria algo confortável de dizer. Mas a gente sabe, bem lá no fundo, que não é isso, tempo a gente sempre arruma quando quer. Por mais lotado que esteja o dia, quando a pessoa é realmente importante, quando a gente realmente quer, a gente dá um jeito. A verdade é que, na maioria das vezes, deixamos de fazer as coisas por puro esquecimento, por frieza, ou por não nos importarmos. Estamos presos naquele diálogo na mesa da cozinha, onde todo mundo quer ser ouvido, todo mundo quer falar. Mas quem quer ouvir? A modernidade criou ferramentas para facilitar a comunicação, e o que nós mais desaprendemos nos últimos tempos foi justamente nos comunicar.
E sabe, se alguém aí quiser bater um papo desses gostosos, sem hora para acabar, me liga, a gente combina, porque depois de tudo isso, tudo que eu quero é me re-relacionar.

13 comentários:

  1. Adorei esta crônica e também o seu olhar crônico neste grande problema da nossa sociedade atual. Continue firme com o blog: ele poderá te dar muitos frutos, alguns bons leitores e, claro, a possibilidade de sempre praticar e aperfeiçoar sempre o seu texto, que, por sinal, já é muito bom! Grande abraço!

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  2. Sarinha, grande sacada! E que bela forma... seus textos estão cada vez mais bacanas. Esses "clichês" vão longe, garota! Beijo!

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  3. Você tá cada dia melhor. Os textos são muito gostosos de ler. Parabéns

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  4. Comemorar os aniversários com os amigos... Passar o dedo no chantily do bolo e melecar o nariz da aniversariante. É, isso não dá pra fazer via scrap, twitter, ou blog... por isso são tão marcantes!
    Seu texto me fez viajar em memórias!
    Saudades de você!
    Abraços
    André

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  5. Gostei do seu blog, Srta. Sarah Ribeiro. Sempre bom desafiar a norma estabelecida de que na Internet só caberiam textos muito curtos. Não faz mal alonga-se um pouco às vezes.

    Qualquer dia tomamos um gim-tônica por aí e conversamos.

    André Simões

    www.odiario.com/blogs/andresimoes

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  6. Sá, adorei! Fiquei feliz, inclusive de servir de inspiração. Eu não, alias, o grande Leminski.
    Saudades, sempre!
    bjos,

    Ju

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  7. Diante do triste relato seria uma ousadia dizer que gostei do texto. É difícil dizer algo, sendo eu um dos cúmplices deste terrível crime.

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  8. Amei o texto! Perfeito para os dias de hj! :)

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  9. Saudades dos tempos que a gente se via e se falava mais! Te amo prima!

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  10. Acredito na verdade de cada pessoa, parabens pelo texto.

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  11. O peso é um vazio e o volume não tem forma, o riso é uma metáfora daquilo que pensamos ser felicidade, e ser é uma condição de entender tudo aquilo que negamos e passamos a não existir,apenas reflexo de uma imagem estabelecida pela incongruência de um estado amórfico.
    Abraços
    Sandro Maranho

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