Já fazia duas semanas que ele folheava os classificados do jornal. Às vezes circulava algum anúncio, mas nunca conseguia nada na área de comunicação em que era formado.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
O desempregado e o trote que saiu pela culatra
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Relacionamentos modernos
Hoje a frase de uma amiga me fez pensar na superficialidade das coisas. Houve um tempo que as relações eram mais verdadeiras, mais profundas. A gente gastava mais tempo com as pessoas, cultivando amizades, sim, porque se dedicar a alguém exige tempo e dá trabalho, muito trabalho. Tanto, que normalmente a gente resolve deixar pra depois. Primeiro, estuda, passa no vestibular, se forma, tem uma profissão, trabalha muito, bajula o chefe para ser promovido, daí casa para não ficar sozinho e de repente nascem os filhos, os netos. A gente se aposenta. Então essa é a melhor idade, hora de viajar, aproveitar e curtir a vida. E assim vai... e assim vamos empurrando com a barriga semi-relações.
Lembro, por exemplo, que os almoços em família na mesa da cozinha, eram mais frequentes. Além disso, havia o sagrado café das seis, acompanhado do pão francês com manteiga e café preto. Hoje, as refeições são mais solitárias, mas estranhamente mais barulhentas. Rádio, televisão, telefone, cachorros. Tudo parece “barulhar” ao mesmo tempo. Conversar é difícil. Palavras soltas compõem os espaços curtos de silêncio entre um eletrodoméstico e outro, mas parece que ninguém se ouve. As pessoas só querem falar e serem ouvidas, mas ninguém ouve.
- Quinta que vem eu tenho um dia de folga. To pensando em fazer uma viagem curta, o que você acha?
- Ah, legal. Então, sabe aquela bota marrom que eu vi no shoopping, ta na promoção. A gente podia ir lá no final de semana, né?
- É, pode ser. Mas então... acho que vou visitar a Mariana, faz tempo que não vejo ela.
- Posso agendar sábado às 14h então para a gente ir no shopping?
- Ah, legal, vamos no shopping sim que eu aproveito e levo uma lembrancinha pra mãe da Mariana.
- Quem é Mariana?
E de repente, você se dá conta que a conversa-monólogo não vai a lugar nenhum. E assim é também nas demais relações. Percebo que a cada aniversário o telefone fica mais quieto. Telefonemas foram substituídos por scraps, twitts, SMS, e mais um bocado de siglas e nomes estrangeiros que devem existir e eu já nem sei. Mas nada substitui o antigo “cara a cara” (lembra dele, quando você ia até a casa do seu amigo, mesmo quando não tinha festa, só para lhe dar parabéns?) ou pelo menos o telefone, em que dá para saber, só de ouvir a voz da outra pessoa, se ela está bem, feliz, gripada ou se acabou de acordar.
Mas não pensem que sou um exemplo de pessoa, uma amiga exemplar. Também me entreguei às moderno-facilidades e ando mandando muitos caracteres de felicitações por aí. Minha voz mesmo, meus amigos (ou colegas?) acho que só devem conhecer se tiverem microfone no MSN e me chamarem para um bate-papo virtual.
Isso tudo me incomoda muito. Como é que a gente se acomoda tanto, como é que o pra sempre se transforma em nunca mais, o especial em normal e os amigos em conhecidos?
Será que a gente tinha mais tempo para tudo isso? Essa seria uma boa desculpa e eu poderia terminar meu texto por aqui, seria algo confortável de dizer. Mas a gente sabe, bem lá no fundo, que não é isso, tempo a gente sempre arruma quando quer. Por mais lotado que esteja o dia, quando a pessoa é realmente importante, quando a gente realmente quer, a gente dá um jeito. A verdade é que, na maioria das vezes, deixamos de fazer as coisas por puro esquecimento, por frieza, ou por não nos importarmos. Estamos presos naquele diálogo na mesa da cozinha, onde todo mundo quer ser ouvido, todo mundo quer falar. Mas quem quer ouvir? A modernidade criou ferramentas para facilitar a comunicação, e o que nós mais desaprendemos nos últimos tempos foi justamente nos comunicar.
E sabe, se alguém aí quiser bater um papo desses gostosos, sem hora para acabar, me liga, a gente combina, porque depois de tudo isso, tudo que eu quero é me re-relacionar.
domingo, 1 de agosto de 2010
A mensagem
Era um desses dias indecisos – em que o céu não se decide entre o azul anil ou o esbranquiçado das nuvens leves e que não consigo optar entre nhoque bolonhesa ou macarrão ao molho branco – quando você resolveu reaparecer na minha vida. Enquanto a atendente bate o pé ansiosamente com a caneta na mão esperando meu pedido, o toquezinho insuportável e inconfundível do celular emprestado que uso até o meu sair do conserto anunciava que de duas uma: ou minha operadora mandava uma super e interessante mensagem com propaganda de algum serviço inútil ou alguém, de fato, enviava uma mensagem que merecia minha atenção. A atendente percebendo que dali não sairia uma decisão muito veloz, partiu para outra mesa em busca de um pedido que pudesse anotar. Resolvi então dar uma espiada na telinha pequena e cheia de arranhões do aparelho portátil. Ergui as sobrancelhas e arregalei os olhos. Não poderia ser. Mas eu só conhecia uma pessoa com aquele código DDD, comecei a ler a mensagem e rir foi inevitável.
Como poderia? Como um serzinho pode ter tamanha cara de pau, tamanha astúcia de me escrever aquelas palavras, ignorando totalmente o contexto que há por trás delas? Será mesmo que ele achou que simplesmente ressurgir com uma bela mensagem de texto ao estilo “você sumiu, estou com saudades de você” faria meus batimentos cardíacos se alterarem e eu esquecer todas as outras palavras rudes ditas pessoalmente naquelas tardes de outono? Olha, uma coisa eu sei bem, para algumas pessoas, palavras são apenas junções de letras, mas para mim podem valer mais do que dinheiro ou doer mais do que uma surra. Na verdade, a questão não são as palavras em si, elas por si só são vazias e não valem de nada, mas quando elas fazem sentido, ah, meu caro, aí o negócio pega. E é exatamente por isso que eu tive de reler três vezes antes de acreditar que aquela mensagem era realmente dele.
Certamente, para ele foram apenas algumas letrinhas digitadas em um momento livre, mas para mim foi a prova cabal de como os homens são inocentes ao pensar que com o tempo tudo se resolve e que a mente das mulheres apaga certas coisas. Pois bem, vou lhe dizer uma coisa. As mulheres nunca esquecem. Nunca, gravaram bem isso? E se elas se fazem de esquecidas é por amor, para tornar suportável a convivência delas com os homens que as fizeram sofrer. Mas não se engane, isso virá à tona assim que o amor se transformar em um sentimento não muito agradável. Neste caso, as formas de reação são as mais variadas, a vingança é a mais comum, mas no meu caso, eu optei para a que julgo a mais cruel: a arte de ignorar. Não há nada mais sublime do que isso. Você não o ama, nem o odeia, você simplesmente o ignora, ele não incomoda você e isso é de desesperar qualquer um. Ninguém gosta de ser um fantasma. É o velho “falem bem, falem mal, mas falem de mim”. Pois eu não falo, evito pensar e, é claro, não respondo à mensagens, principalmente desse tipo. Contudo, apesar de apreciar a ironia, confesso que o gostinho da vingança sempre me vêm à cabeça, como se me viesse uma sede de sangue, é difícil explicar. Mas eu compenso isso de outras formas.
Depois de minha risada irônica frente à telinha minúscula do celular e minha satisfação silenciosa de quem sente-se vitoriosa após ganhar uma batalha, me senti completamente decidida. Chamei a garçonete com a voz firme e sem titubear e pedi um nhoque à bolonhesa. “Ah, mas capricha no molho vermelho, por favor.”